sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Papel dos pais na educação dos filhos


Revista Veja




Estudo ressalta a importância da influência paterna na formação dos filhos


Aida Veiga

C
horou, chama a ma-mãe. Machucou-se, vem a mamãe. Vai mal na escola, convoca a mamãe. Está deprimido, mamãe percebe. Envolveu-se com drogas, mamãe não dorme. E o papai? Papai também se preocupa, claro, mas nem de longe com o mesmo empenho. Neste mundo de mulheres que conquistaram o direito ao emprego fora de casa e ao respeito masculino, continua hábito disseminado, ainda que não falado e muito menos admitido, transferir filho, com armas e bagagem, para a responsabilidade única da mãe – como se pai fosse uma figura meio descartável na formação da criança. Não é, e sua falta rende problemas para a vida inteira. 






Villar: escritório em casa para passar mais tempo com o filho, Rafael





Nos Estados Unidos, uma pesquisa recente do National Center on Addiction and Substance Abuse, o Casa, descobriu que o perigo do envolvimento com drogas é 30% maior em crianças criadas apenas pela mãe. Pior: nas famílias convencionais em que filhos não têm bom relacionamento com o pai, o risco sobe para 68%. Outros estudos indicam que filhos sem pai têm três vezes mais possibilidades de ir mal na escola, precisar de tratamento psicológico e cometer suicídio. No Brasil, pesquisa do Datafolha mostrou que 70% dos menores infratores internados na Febem não vivem com o pai. "Não estamos fazendo apologia do casamento, mas, quando decide ter um filho, o homem precisa estar consciende de que este, sim, é um compromisso indissolúvel", diz Joseph Califano, professor da Universidade Columbia e responsável pela pesquisa do Casa. "Muita gente acha que a mãe pode cuidar sozinha dos filhos, mas os números mostram que não é assim. Ela não consegue ser mãe e pai ao mesmo tempo", alerta.


Não é que os pais de hoje não saibam que pai faz falta. Eles sabem, pois ninguém, nem o mais alienado dos progenitores, escapa da torrente de palestras, debates e livros sobre o assunto. Aliás, um lembrete: os filhos também têm acesso a essas informações e se sentem por isso mesmo ainda mais privados da companhia paterna. "A noção que o homem tinha do que é ser um bom pai mudou muito nos últimos vinte anos", afirma David Popenoe, sociólogo da Rutgers University, autor do elogiado livro Life without Father (Vida sem o Pai). "Ele pode acertar ou errar na educação, mas com certeza passa mais tempo com o filho do que seu pai passou com ele." O problema é que, ao primeiro canto da sereia – trabalho acumulado, viagens, reuniões, pôquer com a turma – , lá vai papai se distanciando do filho. Também não parece ser solução o esforço homérico para acompanhar a gestação, estar presente ao parto (meu Deus, quanto sangue!), aprender a trocar fraldas e ir às reuniões da escolinha. Como sabe a maioria das mães, esse tipo de dedicação dura, no máximo, até os primeiros anos escolares. 

Do primogênito. "Ser paizão está na moda", atesta o psiquiatra paulista Içami Tiba, especializado em crianças e adolescentes. "Faz parte da imagem do sujeito bem-sucedido trocar uma fralda e ir ao parquinho. Mas, quando o filho cresce um pouco, o pai desaparece para não ter aborrecimentos." Isso não resolve, claro.
Ricardo Benichio
Moraes, entre Alice e Rita:
amigos demais na hora
de impor limites

Brincar junto – Em geral, nesses casos o raciocínio paterno por trás da retirada estratégica é: a mãe é dedicada, cuida muito bem dele, e eu preciso trabalhar para garantir o presunto da casa. Muito meritório, mas insuficiente. Pai, como fica amplamente demonstrado no estudo do Casa, é fundamental na vida da filha e, principalmente, do filho. Por quê? Pela mais antiga das razões: "É ele quem coloca limites e serve de exemplo", afirma Yves De La Taille, professor do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo, USP. Ou seja, pai que é pai tem de saber dizer o que é certo e o que é errado e pelo menos tentar pôr o filho na direção certa. Isso pode ser uma chateação para os dois tipos mais comuns de papai moderno: o que quer distância dos problemas e o que sonha em ser o amigão do pimpolho. 

No entanto, é fundamental. "Não adianta ficar só dando conselho, ser amigo. Tem de dizer até onde o filho pode ir", explica De La Taille. Definir limites é função muitas vezes antipática, ainda mais levando em conta que o pai dispõe de pouco tempo para os filhos e, em nome do bom relacionamento, não quer gastar aqueles momentos dizendo não. Mas, como a prática demonstra, não tem por onde escapar, e quem escapou se arrepende. O produtor de TV paulista Ninho Moraes, 42 anos, pai de Rita, 19, e Alice, 16, divorciou-se logo depois do nascimento da mais nova e desde então procura, como ele diz, "fazer da paternidade uma profissão de fé". Raros foram os dias em todos estes anos em que não esteve com elas, nem que fosse apenas no trajeto casa– escola.

 "Viramos grandes amigos", diz. "Mas houve um excesso de liberdade, e elas viraram adultas muito cedo, tomando decisões sem o meu aval." É o tipo de conseqüência que o arquiteto paulistano Jacques Dolski, 43 anos, pisa em ovos para não vivenciar. Separado da mulher, ele cuida há seis meses dos filhos Gabriel, 13, e Alexandre, 10. A decisão de morar com ele partiu dos meninos, depois de ficarem dois anos com a mãe nos Estados Unidos. "Era tudo o que eu queria. Mas não está sendo fácil", admite Dolski. "Não dá para ser romântico e deixá-los fazer tudo só porque preferiram viver comigo."
Ricardo Benichio
Dolski: depois da separação, 
os filhos decidiram morar
com ele

Fica, portanto, o alerta: o paizão que permite tudo não está cumprindo a contento seu papel. O pai-fera, que não permite nada, tampouco. Mas ambos ainda somam mais pontos a seu favor do que o pai que se ausenta, na doce ilusão de que um dia, quando ele e o filho falarem a mesma língua, as coisas vão se ajeitar. 

"Quem espera pela adolescência para envolver-se com o filho descobrirá que pode ser tarde demais", explica o psiquiatra Francisco Assumpção Jr. Primeiro porque, como se sabe, adolescente é um ser arredio que em geral não quer saber de papo nem com pai nem com mãe. Além disso, as brincadeiras de infância típicas de pai-filho, como jogar bola ou se arriscar na roda-gigante, ajudam a criança a aperfeiçoar sua habilidade de se envolver com os outros, lidar com frustrações e resolver problemas. "Por meio de um relacionamento caloroso e brincalhão, o pai ensina o filho a ter controle emocional e infunde um sentimento de segurança e bem-estar que vai torná-lo mais autoconfiante", argumenta o psicólogo William Pollack, da Universidade Harvard, em seu livro Meninos de Verdade, sobre os efeitos da paternidade, que acaba de ser lançado no Brasil.

 "Os pais mais eficientes são os que simplesmente acompanham os filhos numa atividade." Adepto fervoroso desse princípio, o empresário de Brasília José Roberto Cunha Silva sempre que pode passa fins de semana e feriados grudado nos filhos, José Roberto Filho, 14, Alexandre, 13, e Júlio, 3 (veja quadro). "Fica mais fácil ser ouvido estando perto deles", afirma.
Ricardo Benichio
Klink, com as gêmeas:
"Quando voltei, não me
largaram dois dias seguidos"

"Não largavam meu braço" 
– 
Agora, se o dia de trabalho é invariavelmente longo e acaba engolindo o fim de semana também, apele para uma saída iconoclasta: leve trabalho para casa. Isso mesmo – abolete-se no escritório caseiro com a papelada e disposição para uma ou outra interrupção. "Pelo menos, é um tempo em que estou lá, disponível e presente, criando um vínculo", diz o ocupadíssimo engenheiro carioca Renato Argento, 45 anos, pai de Renata, 17, e Júlio, 15. O empresário curitibano José Cláudio Villar foi além e, há quatro meses, transferiu seu escritório para casa. Diz não se incomodar com as interrupções que volta e meia Rafael, 9, e Larissa, 4, o obrigam a fazer. "Sei a falta que um pai faz", conta. "O meu era piloto e vivia viajando. 


Não queria repetir a mesma história." Já o navegador Amyr Klink conhece a ladainha dos deveres do pai de cor e salteado, mas até hoje não encontrou jeito de encaixá-la em sua vida. Klink partiu para uma inédita circunavegação da Antártica quando suas gêmeas, Laura e Tamara, tinham 19 meses. 

Ao voltar, elas tinham 2 anos e conheciam papai de fotografia. "Estavam tão nervosas, com medo de que eu sumisse novamente, que não largaram meu braço por dois dias seguidos", comenta. "Iam junto comigo até ao banheiro." Há oito meses em casa, deu para estreitar um pouquinho o vínculo e providenciar mais um bebê, outra menina, que nasce até o fim do ano. É bom que não atrase, porque papai já tem outra viagem marcada, de quatro meses. "Pelo menos tento compensar brincando com elas todo o tempo livre, quando não estou no mar."
Com reportagem de Daniella Camargos, de Belo Horizonte,
e
 Juliana Reis, de Curitiba

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